quarta-feira, 17 de abril de 2013

A arma que mata está com o criminoso. (Parte 1)

Uma arma de fogo é um objeto inofensivo por natureza. Tão inofensivo quanto a faca que corta o pão; a madeira do pé de mesa; a viga que sustenta uma casa; as mãos que pintam quadros; as pernas que jogam bola; a panela de pressão que cozinha o alimento.

A arma de fogo no coldre do policial, além de inofensiva, é o instrumento que o protege daqueles empenhados desde cedo no crime e na violência gratuitas contra a comunidade. Uma arma nas mãos do homem bom é a última linha de defesa pessoal e familiar (talvez sua última chance) contra o resultado da política barata de segurança pública.

Armas de fogo, facas, pedaços de madeira, vigas metálicas, mãos, pernas e panelas são itens inertes. Apesar disso, uns são vitais, outros são importantes e alguns são necessários. A diferença entre a inércia desses objetos e a capacidade deles serem usados para ferir ou matar está apenas na presença humana. Não é qualquer presença, mas o ser humano hostil, incapaz de viver livre e em harmonia com os propósitos mais elevados da sociedade.

As armas de fogo não são o verdadeiro problema. As pessoas são o problema, inclusive aquelas que insistem em implementar leis de banimento ou controle intransigentes de armas, quer por ingenuidade ou ignorância dos fatos, seja a ignorância inocente ou dogmática.

Alguém já disse que armas não matam pessoas; pessoas matam pessoas. Por essa razão, muitos assassinatos são cometidos com facas, tesouras, machados, paus, pedras, garrafas, mãos e pernas. E exemplos de assassinatos sem armas de fogo não faltam: os ataques com faca que feriram quatorze pessoas numa universidade no Texas (EUA); o caso de uma atriz assassinada a golpes de tesoura; o caso de um índio queimado vivo num ponto de ônibus em Brasília/DF; o atentado terrorista em Boston (EUA) onde foram utilizadas panelas de pressão.

A diferença de uma arma para ataque e outra destinada a defesa se resume na utilização criminosa dessa arma. Assim, é o criminoso e não a arma o verdadeiro problema de segurança pública. Mas criminosos são idolatrados e romanticamente tidos por muitos como o resultado da injustiça social do mundo capitalista. Entretanto, a causa do crime e da violência não é a exclusão social ou a pobreza. Não é a falta de escolaridade ou de educação familiar. É o interesse próprio, a inveja, a preguiça, o descaso e a loucura do homem inclinado ao crime, seja ele um criminoso mirim ou um veterano.

Dito isso, e considerando que é mais fácil subjugar o cidadão honesto (o complacente pagador de impostos com endereço certo) do que implementar políticas sérias, profissionais e consistentes de segurança pública, surge o conceito desarmamentista, a última demonstração de frouxidão e desinteresse estatal no combate ao crime e a violência. Preguiça e desinteresse que impedem o Estado de solucionar os problemas do sistema prisional; que o impede de perceber que a cadeia não é lugar para ressocialização de delinquentes profissionais, mas um local destinado à separação de indivíduos perniciosos do restante da comunidade pacífica; que impede uma visão moderna da estrutura e da investigação policial, etc. Quanto a isso, basta dizer que o percentual de elucidação dos crimes no país está abaixo dos 10%. Essa cifra é tão triste quanto afirmar que “Dados oficiais mostram que 80% dos crimes ocorridos no Brasil são realizados com armas adquiridas legalmente.” quando outro estudo1, do qual participou a entidade Viva Rio, demonstrou que apenas 25,6% das armas apreendidas em circunstâncias criminais no Rio de Janeiro entre os anos de 1951 e 2003 possuíam registro oficial.

É possível determinar o calibre de uma arma utilizada num homicídio pelo exame da vítima e do projétil, mas nada disso impede a reincidência do assassino que está à solta e não foi alcançado pela baixa qualidade da investigação policial. É o que informa Fabrício Rebelo2:

"De acordo com um estudo produzido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, subsistem, apenas naquele estado, 60 mil homicídios ocorridos na última década ainda sem elucidação. Destes, em 24 mil não se identificou sequer a vítima. Embora sejam dados assustadores, o fato é compatível com a realidade brasileira, que aponta uma taxa de solução de homicídios de apenas 8% ou, em termos práticos, somente 4 mil dos 50 mil assassinatos registrados anualmente no país, conforme os dados adotados oficialmente no Mapa da Violência 2011." (REBELO, 2011).

Não que isso seja culpa dos homens e mulheres de polícia, mas é o resultado do modelo policial engessado e da legislação que persistem no país. 

O maior erro nas leis desarmamentistas é acreditar que elas controlam as armas de fogo e diminuem a violência. Tais leis não conseguem controlar ou evitar aquilo que realmente interessa: o contrabando e o uso criminoso das armas, simplesmente porque criminosos não obedecem regras, estatutos ou leis. Essas normas apenas criam restrições que FORÇAM o desarme das pessoas honestas enquanto os criminosos continuam encontrando e utilizando suas armas ilegais. Nenhuma arma usada por delinquentes para matar cidadãos está sob controle. Mas é possível que armas legalizadas caiam nas mãos de bandidos? Claro que sim! Contudo, apenas um quarto das armas de fogo utilizadas em ações criminosas possuem registro. É o que disse o próprio estudo do Viva Rio.

Em recentes operações da Polícia Federal, além de quase uma tonelada de pasta base de cocaína, também foram apreendidos uma pistola Ruger .45 ACP, um fuzil FN Fal 7,62 mm e um fuzil Colt M16 5,56 mm com lançador de granadas e com as inscrições “Propriedade do Governo Norte Americano”. A Ruger e a Colt são americanas e a FN é belga. Então, como essas armas entraram no Brasil? Foram legalmente importadas ou foram contrabandeadas? Por onde? Por quem? Por quê? Como? Quando? As leis desarmamentistas são incapazes de responder essas perguntas e de controlar essas armas. Essas são as armas importadas que equipam quadrilhas especializadas e grupos organizados. E como é o controle do bom e velho 38, por exemplo? Depende de quem o possui: se estiver nas mãos do cidadão, está sob controle rígido ou foi entregue para destruição na campanha do desarmamento; se estiver nas mãos criminais para matar inocentes, está nas ruas em local incerto e não sabido.

A entrega de armas na campanha do desarmamento é outra questão. O post denominado “Primeiro mês do ano registra aumento de 51% de armas entregues” diz que “O ano de 2013 começou com um significativo aumento de armas de fogo entregues pela população à Campanha do Desarmamento. Em janeiro, saíram de circulação 3.714 armas de fogo, 51% a mais do que as recolhidas em dezembro do ano passado (2.373).” O texto sugere que milhares de pessoas estão aderindo voluntariamente ao desarmamento por acreditarem que menos armas indicam menos assassinatos (questão que será tratada na parte 2 desse artigo). Mas a história informa que o Estado autorizou o registro de armas de fogo sem que os proprietários precisassem se submeter aos requisitos previstos na Lei nº 10.826/2003 (a chamada anistia). Com isso, muitas pessoas recadastraram suas armas, cumprindo um dever cívico. Agora, essas pessoas estão retornando para renovar seus registros. Entretanto, com o fim da anistia, os proprietários são informados que precisam preencher os requisitos da lei. Para se desvencilhar da burocracia e do custo do procedimento, a maioria está entregando suas armas a contragosto. Não há qualquer convencimento de que esses infelizes cidadãos, as vítimas em potencial, estão participando ativa e voluntariamente do desarmamento.

Outro texto que merece atenção foi publicado na página no IPEA em 01/04/2013. O artigo denominado “Compra de armas por pessoa cai 40,6% após Estatuto” informa o seguinte, quando se refere ao perfil do consumidor de arma de fogo:

“Os jovens de 20 a 29 anos superam em 172% as pessoas 20 anos mais velhas na compra de armas, mas a queda da demanda dos jovens foi de 51,2% após o Estatuto. Embora tenham menor renda, os analfabetos e as pessoas com até 3 anos de estudo compram armas com o dobro da frequência observada entre pessoas com 12 anos ou mais de estudo. Por estrato de renda, as chances de compra são maiores entre os membros da classe C, que superam em 7,5% e 103% as aquisições das classes AB e E, respectivamente.” (IPEA, 2013). (Grifo nosso).


Esse texto leva à conclusão de que os dados foram obtidos por meio de ENTREVISTA PESSOAL. Se isso estiver correto, então os dados estão de acordo com a realidade do submundo das ARMAS ILEGAIS. Até porque o Estatuto proíbe a comercialização de armas de fogo para menores de 25 anos idade. Homens, jovens, solteiros, de baixa renda e pouca escolaridade, exatamente o perfil do criminoso violento e das vítimas por armas de fogo no Brasil, conforme demonstra o Mapa da Violência 2013, e que NÃO estão devolvendo suas armas. Além disso, como alguém semialfabetizado e sem renda para as necessidades fundamentais teria condições e capacidade para atender os seguintes requisitos (compra de arma REGISTRADA):


1.  Declarar a efetiva necessidade do armamento;
2. Comprovar a idoneidade, com apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal;
3.   Apresentar documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
4.  Comprovar a capacidade técnica e a aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.


É óbvio que o percentual de aquisição LEGAL de armas de fogo por homens adultos, casados, alfabetizados e com renda acima da média está em declínio, pois esse é o objetivo e o resultado das restrições impostas às pessoas que desejam exercer o direito de autodefesa. É esse também o perfil dos que tentam comprar armas legalmente. Infelizmente, é o mesmo perfil daqueles que estão entregando sua última chance de defesa.

Portanto, as armas que matam e trazem o terror aos cidadãos não estão nas mãos da sociedade ordeira, dos policiais ou militares, mas nas garras de criminosos profissionais (menores, jovens e adultos). Desarmar o cidadão e permitir que esses criminosos ordenem atos de violência de dentro do sistema prisional é um dos exemplos da omissão, inabilidade e amadorismo que cercam a segurança pública. O cenário só não é devastador em razão do empenho dos policiais engajados na luta contra o crime. É o estilo de vida desses profissionais e o desejo de fazer o bem, apesar das adversidades, da desmotivação e da descrença, que impedem o desmantelamento completo da segurança social.


Fonte 1: Small Arms in Brazil: Production, Trade, and Holdings, 2010;
Fonte 2: REBELO, Fabricio. Falta de esclarecimento dos crimes impede traçar perfil criminal brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20081>.
Fonte 3: Compra de armas por pessoa cai 40,6% após Estatuto, IPEA, 2013.

8 comentários:

  1. É de policiais como você que o sociedade merece: moralmente lúcido e nada hipócrita. E é de cidadãos como você que o país carece. Seu livro é verdadeiramente único em relação ao valor que trará às vidas daqueles que o adquiriram. Seu blog é, sem dúvida, uma aula de reflexão e de civilidade, além de ser uma verdadeira utilidade pública aos demais policiais, agentes públicos e cidadãos de bem. Parabéns!

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  2. Tudo bom Humberto?

    Como o Estado através destes estatutos é inoperante hein?!! Além de desarmar o cidadão de bem que sabe utilizar seu armamento exclusivamente para autodefesa, ataca a criminalidade somente com repressão acreditando que menos armas significa diminuição da violência.

    Isso ocorre porque políticas consistentes, sérias, profissionais citadas por vc demandam tempo para surtirem efeito. Assim, os autores não teriam o voto necessário para se elegerem prestigiando o parlamentar que estiver no poder quando os investimentos corretos viessem à tona.

    A sociedade requer esse tipo de investimento, são mais eficientes, mas não trazem votos a curto prazo. Preferem aplicar políticas repressivas como viaturas nas ruas, leis restrivivas, agravantes que causam sensação ilusória e um circulo vicioso gradativo e prejudicial , pois nossa liberdade vai diminuindo.

    Agora vem uma reclamação e não uma crítica hein rs

    Uma parte interessante do seu texto que traz uma boa discussão é aquele trecho dizendo acerca das causas do crime. Acredito que não seja exclusivamente o interesse próprio. Os fatores externos (sociais) também influenciam as causas criminológicas.

    O Estado bombardeia a sociedade com padrões de vida melhor como carros, moradias, viagens, status e não fornece meios instituionais a todos para atingí-los.

    Essa discrepância entre bens disponíveis e a evolução dos desejos do homem chamamos de anomia, ou seja, é a despropoção entre os fins culturais reconhecidos como válidos e os meios legítimos de que dispõe o indivíduo para alcançá-lo. Uns se conformam outros inovam buscando meios ilícitos para atingir tais desejos.

    Tanto é que,estatisticamente, países com renda per capita e melhor distribuição de renda são mais baixos os índices de violência.

    Entretanto, mesmo países com distribuição mais igualitária como Suécia, Noruegua na qual a ausência de conflitos é quase zero, ocorrem altas taxas de suicídio. Nesses casos fatores biológicos e climáticos prevalecem como principais causas criminais.

    Forte abraço

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  3. Belo texto, Humberto. Pra variar, tem se feito essa politica rasteira de manipular os dados e tentar propagar que o ideial é que nenhum cidadao possua mais arma de fogo. Dai eu ficou me perguntando, sobre aquela maxima constituicional, "o poder emana do povo" (povo esse que disse não ao desarmamento, no referendo), isso é certo?
    E essa corja ainda enche a boca pra falar de "democracia". Não somos se quer um pais laico. Porque aqui, o cidadão PRECISA clamar por forças do além, porque nada pode fazer pra se defender.

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  4. A melhor parte: "As armas de fogo não são o verdadeiro problema. As pessoas são o problema"

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  5. Parabens policial pelo esclarecimento e considerações. A arma de fogo, um instrumento de equilibrio de forças, pode ser empergada de boa forma ou nao.
    PL 3722/12 Já!

    Sou filiado do Movimento Viva Brasil.

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  6. Gostei muita das informações. É verdade (e supreendente) que o IPEA afirme que aumentou a compra de armas de fogo de cidadãos entre 20 e 30 anos, quando a Lei só permite que maiores de 25 anos comprem armas!!! Belo texto!

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  7. Parabéns! É raro (ainda bem que não entre os policiais ao menos) ler textos tão claros e conscientes sobre a política ridícula do desarmamento no Brasil. Chega dessa palhaçada de que "arma é instrumento de morte", "arma só serve para matar"! Arma, como muito bem colocado no texto, é apenas uma máquina, e como qualquer máquina, pode ser usada para fazer o bem ou o mal (como exemplo os automóveis), tendo como único agente culpado o ser humano, que as utiliza de forma errada.

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  8. Texto totalmente informativo, com dados e fatos e mostrando uma convicção em todas as palavras, tive um sentimento de revolta de abandono.
    Me parece sempre quando leio textos como este que o mundo esta um caos e que nossos políticos colocados lá por nós mesmos, não atuam de forma significativa a ajudar a população e sim ajudar aos bandidos.
    Programas sociais que são pagos com impostos ajudam quem? Ajudam os presos a ficarem em uma vida tranquila enquanto cumprem sua temporada de presídio por terem matado sua esposa, seu filho por que eles tinham apenas alguns trocados na carteira.
    Isto deve acabar, estou nesta luta, pretendo continuar com meus estudos e treinos físicos por que acredito que quem melhora esta situação são os policias sitados no final do texto, os policias engajados em prender estes vagabundos que se dizem oprimidos pela sociedade, mas pergunta para ele se quer levantar cedo. nada disto e mais fácil roubar depois de alguém em uma parada de ônibus, e se reagir meto bala com o revolver que comprei no mercado negro.
    Estamos juntos

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